sábado, 22 de novembro de 2014

Bailarina de dança do ventre não é televisão

Morei 12 anos em São Paulo, e foi lá que ocorreu minha formação em dança do ventre (Khan el Khalili e Shangrilá). Voltei para São Carlos em julho de 2013, fui convidada pela Neyma para dar aula no Studio Neyma Al Najmah em fevereiro de 2014. Neste ínterim participei de 3 espetáculos da escola, além de apresentações em eventos, bares e restaurantes. Criamos o grupo de dança, as Najmahs (eu, Neyma Al Najmah e Bárbara Badra), fizemos parceria com o bar Confraria São Sebastião e Restaurante Cheff Alex, onde nos apresentamos de tempos em tempos, e somos muitíssimo bem recebidas, tanto pelos contratantes como pelos clientes (espectadores).  Nunca havíamos sentido a necessidade de criar um contrato, porém em decorrência de alguns problemas que aconteceram nos últimos tempos, teremos que elaborar um contrato em parceria com um advogado. Por que isso?

Porque apesar da dança do ventre ser uma dança linda, que nós amamos e respeitamos, muita gente ainda não a compreende. Muita gente pensa que somos uma espécie de abajur ornamentado que serve para enfeitar o ambiente. Para a realização de um show bonito, com qualidade, a bailarina precisa de um espaço para realização de sua dança. Já tive que ouvir: “Mas não dá para dançar entre as mesas?”, até dá, mas precisamos de um espaço para fazermos nossa performance principal, pois muitas vezes iremos fazer trabalhos com véu, bastão, espada, jarro, etc e não tem condições de fazer isso o tempo todo entre mesas. Outra coisa, precisamos de um som decente, não dá para dançar ao som ambiente principalmente porque dançamos em lugares onde as pessoas estão conversando, tem barulho de copos, talheres, garçons, etc, a apresentação perde toda a magia com um som baixo.

Um exemplo de descaso: fomos contratadas para dançar em um restaurante e o contratante não possuía caixa de som potente, aí toca a bailarina se virar nos 30 para arrumar caixa de som para não ter seu show prejudicado. Combinamos com o contratante que o show seria dentro do salão principal, inclusive porque as caixas de som seriam instaladas lá. Os clientes do restaurante foram chegando e foram avisados que os shows aconteceriam no salão principal, porém muitos deles optaram em sentar na área externa. Realizamos nossas apresentações para as poucas pessoas que optaram em jantar no salão, demos o nosso melhor, apresentações elaboradas, previamente planejadas. Quando faltava uma música para o término do show, o contratante perguntou se não podíamos dançar na área externa (um corredor apertado) porque as pessoas estavam comendo e não queriam levantar para assistir as apresentações. E ele teve que ouvir um não como resposta. E por que não podíamos ir dançar lá fora?

Porque não somos televisão! Sabe quando chegamos cansados depois de um dia de trabalho, fazemos um sanduíche, nos jogamos em frente à televisão e ficamos ali largados com o controle remoto em mãos trocando de canal? Então: a bailarina de dança do ventre não é assim. Dança do ventre é arte, é espetáculo, é um acontecimento. Vendemos excelência, e excelência não é ficar tremendo a barriga na frente de um monte de espectadores entediados que estão mais interessados no que tem dentro de seus pratos do que na dança que está sendo apresentada. As pessoas estavam cientes que o show seria dentro do salão e mesmo assim optaram em sentar lá fora e depois acharam ruim que as bailarinas não foram dançar na parte externa... “Poxa, custa ir lá fora? É só dar uma dançadinha...Pô! “. Não, não é só dar uma dançadinha, é perder a dignidade, é queimar o filme da dança. Se concordarmos com tudo, daqui a pouco vão pedir para a gente ficar “dançando” na calçada ou no meio da rua em frente ao restaurante para chamar público.

Temos que nos fazer respeitar, temos que nos impor, porque senão nossa arte será sempre vista com maus olhos por leigos.

Esses dias minha querida ex-mestra Najwa Zaidan postou em seu facebook: “Bailarinas amigas, amadas, por favor, não dancem de graça! Dignifiquem a classe por favor!”, e concordo 100% com ela, muitas meninas que ainda nem dançam direito saem por aí ofertando shows de graça, fazem apresentações feias, vulgares, com figurinos mal elaborados, com maquiagem mal feita. Para dançar em um evento/bar/restaurante precisa de convite (ser convidada para dançar por uma professora ou bailarina profissional), precisa de treino, precisa de prática, precisa de consciência. Porque nossa dança é uma arte delicada e muitas vezes incompreendida, porque muitas pessoas ainda a veem como uma dança onde as mulheres ficam rebolando com pouca roupa. E a dança do ventre, uma dança linda originária de uma cultura tão rica que povoou e influenciou diversas outras culturas, acaba sendo mostrada do jeito errado.

Temos que mostrar a beleza e a riqueza da dança do ventre. Por isso que é importante estudar muito, assistir vídeos, fazer workshops, diferenciar ritmos, conhecer folclore e se aprofundar mais e mais na cultura. É importante investir em figurino e em elegância. Exigir um pagamento justo pela sua apresentação, e o que é um pagamento justo? Veja tudo que você gastou para se tornar a bailarina que é (um exemplo):
  •    2 aulas por semana durante 3 anos (tempo mínimo de formação-valor médio): R$ 3.600,00
  •    Workshop de aprimoramento (em média 3 por ano, durante 3 anos): R$ 1.350,00
  •    Figurino (preço médio): R$ 500,00
  •    Bijuterias (anéis, braceletes, brincos): R$ 200,00
  •    Manicure para a apresentação (preço médio: pé e mão): R$ 22,00
  •    Livros, revistas e dvds de dança do ventre (média): R$ 500,00
E quanto mais você se apresenta maior sua necessidade de investimento em diferentes figurinos! Você, bailarina de dança do ventre, acha justo, não cobrar nada para dançar durante 4 horas em um evento? Você acha justo dançar na rua, na calçada ou em locais com condições precárias só porque seu contratante mandou (e nada disso foi combinado previamente)?  Você acha que está se promovendo? Está fazendo o seu nome? Não, amiga. Você está queimando o seu filme e o da dança do ventre.

E sabe o que me deixa mais triste, que ao nos recusarmos dançar em uma situação precária, ainda tivemos que ouvir: “Mas vocês não têm medo de perder clientes ao não acatar ao desejo (não combinado previamente) do contratante?”. Não, não temos. Pois queremos disseminar o melhor, a dança do ventre com qualidade e não vamos acatar a ordem do contratante para vendermos o mediano, vendermos a dança do ventre ‘qualquer coisa’. E quem não nos respeita, não respeita a nossa arte e não é nosso público alvo, portanto não estamos perdendo nada.  

Este post é para nossa reflexão. Iremos dançar a qualquer preço? Mesmo que seja para deturpar a imagem da nossa dança?